A comunicação das empresas com as comunidades do entorno. E o consumo e a cidadania com isso?
A comunicação ganha novos contornos e sujeitos a partir das transformações contemporâneas capitaneadas pelo consumo.
A comunicação entre as empresas e as comunidades do seu entorno se transformaram, ganhando novos contornos. Da mesma forma como descrevemos no artigo no site da Press, as mudanças sociais que remodelaram as organizações e que compõem o contexto social, também se faz importante situar a comunidade como um dos públicos das empresas, nesse contexto contemporâneo, observando aquilo que alterou o seu modo de ser e de se constituir e consequentemente de se relacionar. |
O consumo e a identidade remodelando a comunicação
Dito isso, entendemos que, de todos os fenômenos que mudaram a sociedade e os seus sujeitos, entre eles a comunidade do entorno, o mais significativo foi o consumo. A lógica do consumo pode ser observada interferindo nas múltiplas instâncias da sociedade (LIPOVETSKY, 2007; HALL, 1997; BAUMAN, 2008; CANCLINI, 2005), social, comunicacional, cultural, política, ambiental, identitária, entre outras. Sobretudo, interessa-nos, inicialmente, refletir como o consumo interferiu no comportamento social modificando a forma de os sujeitos serem cidadãos, de construírem a identidade individual e coletiva para, então, entendermos como isso afetou a comunicação e relacionamento das comunidades com as empresas e, mais especificamente, a comunidade do entorno nomeada e conceituada na perspectiva da organização. Conceituação que merece uma reflexão em outro momento. Vejamos o que tem a dizer Lipovetsky (2007): “Enquanto triunfa o capitalismo globalizado, o assalariado, os sindicatos e o Estado passaram para segundo plano, suplantados que são, daí em diante, pelo poder dos mercados financeiros e dos mercados de consumo. A nova economia–mundo não se define apenas pela soberania da lógica financeira: é também inseparável da expansão de uma ‘economia do comprador’ […] ‘A essa ordem econômica, em que consumidor se impõe como senhor do tempo, corresponde uma profunda revolução dos comportamentos e do imaginário do consumo’ (LIPOVETSKY, 2007, p. 13-14).
O consumo, a cidadania e a identidade
Reforçando essa premissa, Deetz (2003) afirma que praticamente todas as decisões empreendedoras sobre aspectos ambientais, educação, trabalho, distribuição de renda, entre outras questões, são agora tomadas em lugares comerciais pelas organizações privadas. Essa mudança de paradigma levou a participação social a se reconfigurar exercendo a cidadania pelo viés do consumo. Se antes essa era configurada na esfera pública, na participação do sujeito nas questões políticas, hoje a cidadania se manifesta valendo-se das relações de consumo, menos nas praças públicas e mais pelos mecanismos midiáticos. Se para Deetz (2003), na atualidade, há mais consumidores que cidadãos, para Canclini (2005) existem consumidores cidadãos. Canclini(2005) acredita que o consumo não aniquilou a cidadania, mas propiciou a ela novos contornos. No seu ponto de vista, o consumo deixa de ser mero ato de compra para se tornar um conjunto de processos socioculturais que se realizam na apropriação, na escolha e uso de produtos, nas ideias, nos serviços e nas informações. Esses processos que se dão entre produtores e consumidores, entre emissores e receptores revelam que o consumo pode ser compreendido para além de sua racionalidade econômica, manifestando-se também como uma racionalidade sociopolítica interativa. Dessa forma, não se pode pensar que o consumidor é um sujeito irracional, movido apenas por impulsos consumistas tampouco que o cidadão só se constitui e atua com base em princípios ideológicos e políticos. Contudo, todo esse deslocamento cultural, do público para o privado, levou os sujeitos a uma crise identitária. As identidades culturais, de classe, gênero, etnia, raça, nacionalidade, que encaixavam os sujeitos socialmente, fragmentaram-se nesse contexto, tornando essas fronteiras mais fluidas e indeterminadas (HALL, 1997). No entanto, isso não determina o fim da cidadania, do enraizamento dos sujeitos nem da busca por identidade. Ser cidadão não tem a ver apenas com direitos reconhecidos pelos aparelhos estatais para os que nasceram em um território, mas também com as práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem que se sintam diferentes os que possuem uma mesma língua, formas semelhantes de organização e de satisfação das necessidades (CANCLINI, 2005, p. 35). Dentro dessa perspectiva, o consumidor é também cidadão, buscando suas respostas para questões como “quem representa os seus direitos”, “a que lugar ele pertence”, mais pelo consumo de bens e pelos meios de comunicação, elemento decisivo nesse processo, do que pelas instituições políticas ou pelas regras da democracia. Nesse cenário, surgem outras formas de cidadania, propiciando novas e múltiplas identidades aos sujeitos. Um exemplo dessa diversificação identitária são as comunidades do entorno como uma nova condição de ser, formada por moradores, cidadãos, trabalhadores, que, pelo fato de residirem tão próximo geograficamente da organização, ganham mais essa identidade.
Empresas x comunidades
Assim, diante do cenário social contemporâneo, podemos afirmar que, se um dia as questões que permeavam a relação entre esses sujeitos foram território de decisões unilaterais, advindas das organizações, hoje são um campo de interação, no qual emissores e receptores se intercambiam nesses papéis e precisam se seduzir e justificar-se racionalmente. Dentro deste novo contexto, é necessário que a empresa desenvolva um relacionamento baseado no diálogo, ora ouvindo os anseios da comunidade, ora falando sobre situações da empresa que impactam sua vidas. Uma forma de levar este diálogo a mais pessoas é utilizar as publicações como mediadoras na relação. Afinal , existem cidades inteiras vizinhas de empresas e impactadas por ela. São jornais, revistas e boletins que se tornam dispositivos apropriados para mediar as relações das empresas com as comunidade que vivem em seu entorno.
Bibliografia
CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização.Rio de Janeiro: UFRJ, 2005. DEETZ, Stanley. Transforming Communication transforming Business. Building responsive and responsible workplaces. New Jersey: Hampton Press, 2003. LIPOVETSKY, Gilles. A felicidade paradoxal. Ensaio sobre a sociedade de hiperconsumo. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. LIPOVETSKY, Gilles. Os tempos hipermodernos. São Paulo: Barcarolla, 2004.
Por Cláudia Tanure
Diretora Executiva da Press
Mestre em Comunicação