A estratégia por trás da foto
Os sefies de Obama provam que os planejamentos de comunicação precisam acompanhar os movimentos da nova geração
Barack Obama realizou nesses dias uma viagem história ao continente africano. Esteve no Quênia e na Etiópia, onde discursou pela democracia, tratou sobre o avanço do Estado Islâmico, marcou presença em um sem número de cerimônias e bateu selfies. Essa última ação, exercício diário para milhões de pessoas, deixou de ser, há algum tempo, uma quebra de protocolo do presidente norte-americano. Tirar fotos de si mesmo estaria mais para estratégia diplomática.
Talvez o seu selfie com mais alarde tenha sido o realizado no enterro de Nelson Mandela, em 2013, na África do Sul, quando Obama, sorridente, se juntou no close ao primeiro-ministro da Inglaterra, David Cameron, e a então chefe de Estado da Dinamarca, Helle Thorning-Schmidt. Desde então, o ato passou a ser corriqueiro. Há imagens do presidente de rosto colado com o vice Joe Biden, com líderes asiáticos, com o pessoal do seu staff , com jogador de beisebol, com atendentes de uma cafeteria.
Há algo por trás disso. Desde o seu primeiro mandato, Obama busca angariar simpatia por onde passa, adotando atitudes triviais, próximas ao homem comum, entre elas participar de reunião na escola das filhas, passear com o seu cachorro “Bo” e jogar basquete com amigos no quintal. Todas devidamente registradas pela comunicação da Casa Branca. A ideia é que as ações e suas respectivas imagens, junto com o carisma e a retórica incontestáveis do democrata, consigam mudar a imagem bélica e arrogante conquistadas pelos Estados Unidos nesse início de século, mais precisamente após a escalada de guerras no Oriente Médio promovida pelo seu antecessor George W. Bush.
E dentro dessas atitudes triviais, os selfies estão na linha de frente. Como um surto epidêmico, o autoretrato ganhou o mundo há uns dois anos, potencializado pela popularização dos aparelhos celulares e das redes sociais. Em 2013, a palavra, que definitivamente não precisa de tradução, foi a mais utilizada do idioma inglês, segundo os editores do dicionário Oxford. Não é possível mensurar quantas dessas fotos são postadas por dia em todo o planeta, mas se estima números astronômicos.
Os selfies poderiam ser colocados como a manifestação mais explícita da chamada geração Y, ou millennials, termo que designa principalmente os nascidos a partir de 1980. Um contingente de jovens e adultos que já ultrapassou os 20% de toda a população mundial. Milhões de pessoas para as quais hoje estão sendo direcionados os discursos de chefes de Estado, instituições e empresas.
Boa parte delas cresceu completamente inserida no mundo digital e globalizado. Aprenderam a escrever simultaneamente ao batismo nas páginas pessoais alojadas na internet. Não consomem informação de forma passiva, como nos tempos da supremacia do rádio e, depois, da TV. Pelo contrário, interagem no processo comunicativo, por serem também fontes e canais de conteúdo, ao utilizarem, por exemplo, blogs, twitter e facebook. Os que estudam o comportamento dessa geração atribuem aos seus integrantes uma maior rapidez de raciocínio, confiança e coragem para as decisões, comparado a seus pais e avós.
Porém, nem tudo são flores. Paul Harvey, um professor da Universidade de New Hampshire, nos Estados Unidos, especialista em geração Y, promoveu há alguns anos uma pesquisa sobre os anseios de vida dessas pessoas. Parte de seu trabalho foi comentado em artigos da Exame e da QGA. Segundo ele, os millennials têm expectativas fora da realidade, uma grande resistência em aceitar críticas negativas e, sobretudo, uma visão inflada sobre si mesmo. Em outras palavras, eles se consideram especiais. Os selfies seriam a prova dessa vaidade, já que o rosto sempre será destaque, mesmo se ao fundo existir paisagens paradisíacas ou monumentos de importância histórica.
Obama, obviamente, não é dessa geração. O havaiano de Honolulu, nascido em 1961, estaria classificado como Baby Bommer, um pessoal que costuma associar sucesso com trabalho duro. O presidente, porém, aprendeu os caminhos da geração Y, até por necessidades geopolíticas. Quem quer interagir com esse público, e isso vale sobretudo para as empresas, precisa embalar os discursos na forma como essa geração enxerga a realidade. Devem, por exemplo, marcar presença no mundo virtual, para divulgar informações diretas, de forma que todos identifiquem marcas e valores. E abrir caminhos para o diálogo, sem qualquer hierarquia.
Os riscos para os que estacionam em uma comunicação obsoleta são enormes. Significam perda de eleições, de clientes, de contratos. Até o homem por trás da maior economia e exército do planeta teve de se render a esse novo enquadramento.
Por Thiago Silvério
Jornalista da Press Comunicação