Publicações empresariais: ordenadoras ou construtoras de sentidos?

Os “discursos” das empresas presentes em suas publicações são (re) interpretados pelos funcionários/ leitores

Publicações

Parafraseando o título de um excelente artigo apresentado pela professora Ivone de Lourdes e Carine Caetano, no livro Interfaces e tendências da comunicação ( 2008), é que buscamos problematizar a questão das publicações empresariais. Para tal, buscamos antes entender como se dá a produção dos discursos e como se desenrolam na trama entre emissores e receptores.

Segundo Charaudeau (2007), o discurso é instituído pela fala, pelo texto e pela linguagem, que permite o homem pensar, agir e viver em sociedade. Nesse sentido, a linguagem não se reduz ao uso das regras gramaticais e das palavras do dicionário, mas entendida em outra dimensão, “[…] se desdobra no teatro da vida social, cuja encenação resulta de vários componentes, cada um exigindo um ‘savoir-faire’, o que é chamado de competência” (CHARAUDEAU, 2007, p. 7).

Para o autor, três competências são essenciais ao processo da linguagem. A competência situacional (1), que considera a situação em que a linguagem foi produzida, verificando sua finalidade e a identidade daqueles sujeitos envolvidos na interação; a competência semiolinguística (2), que organiza a encenação do ato de linguagem com base nas seguintes visadas: enunciativa, descritiva, narrativa e argumentativa, e a competência semântica (3),que consiste em saber construir sentidos recorrendo às ferramentas gramaticais e lexicais e também aos saberes e crenças disponíveis na sociedade. Esse conjunto (é que) produz a competência discursiva que, finalmente, produz os atos de linguagem portadores de sentidos e os vínculos sociais.

Além disso, a formação discursiva depende de fatores externos, como o contexto social, cultural, político e econômico, em que os sujeitos enunciadores e interpretantes estão inseridos. Não se trata apenas de situar o contexto, o ambiente onde se dão as interações, mas tentar compreender como esses fenômenos contribuem para conformar os enunciados discursivos, construir sentidos e influenciar os atos de linguagem.

Na interação entre empresas e funcionários, mediada pelas publicações corporativas, esses atos se revezam. Quando os funcionários leem o jornal produzido pela empresa eles emitem seus sentidos de volta para a empresa, e esta também os postula (reinterpreta) em um processo dialógico permanente de construção e reconstrução de sentidos. Independentemente do tipo, o ato trata-se, portanto, de ação concreta, intencional, praticada por alguém, que traz um sentido de sujeito participativo e responsável. Assim, o agir do sujeito tanto se utiliza da realidade dada do mundo quanto o postula, (re) cria-o, traz novos significados, o que conforma a concepção relacional. Perspectiva que acreditamos ancorar a comunicação empresarial na contemporaneidade e que responde a questão central proposta pelo artigo. As publicações não conseguem ordenar os sentidos, pois é na relação entre o funcionário/ leitor e a empresa que os sentidos das mensagens são criados, interpretados.

Publicações empresariais: discurso X contexto

Reportando o caso para a realidade corporativa, os funcionários de uma empresa, enquanto sujeitos de ação devem ser pensados, considerando dois importantes aspectos: o contexto onde estão inseridos, em que age conformado pelos elementos históricos, sociais, culturais, etc., e o princípio dialógico, que permite a troca discursiva, a interdiscursividade e a presença de várias vozes nos discursos.

Dessa forma os funcionários quando leem as publicações corporativas utilizam o seu repertório interpretativo, tornando-se agentes organizadores de discursos, que, a partir da troca e da interação criam um processo de significação e de reconstrução de sentidos. Os papéis se intercalam, ou seja, ora a empresa é enunciadora/emissora, ora é interpretante/receptora, o mesmo acontecendo com os funcionários, que também assumem tais papéis.

Portanto, percebe-se que as publicações “chapa branca” com discursos unilaterais da diretoria com a intenção de direcionar o funcionário/leitor a um único entendimento e uma interpretação coletiva não funciona mais, se é que já funcionou um dia!

 

Cláudia Tanure

Diretora executiva da Press

Mestre em Comunicação Organizacional

 

BIBLIOGRAFIA

CHARAUDEAU, Patrick. Linguagem e discurso. Modos de organização.São Paulo: Contexto, 2008.

CHARAUDEAU, Patrick. Discursos das mídias. São Paulo: Contexto, 2007.

FRANÇA, Vera. Sujeitos da comunicação, sujeitos em comunicação. In: GUIMARÃES, C.; FRANÇA, V. (Orgs.). Na mídia, na rua: narrativas do cotidiano. Belo Horizonte: Autêntica, 2006.

OLIVEIRA, Ivone de Lourdes; PAULA, Carine F. Caetano. Comunicação no contexto das organizações: produtora ou ordenadora de sentidos? In: OLIVEIRA, Ivone de Lourdes; SOARES; NOGUEIRA, Ana Thereza (Orgs.). Interfaces e tendências da comunicação. No contexto das organizações. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2008.