Pauta aberta: análise do caso Hoje em Dia X SEDS
A necessidade da sociedade por informações depende do consenso quase impossível na relação entre jornalistas e as fontes do poder
Um embate ocorreu na última semana no jornalismo de Belo Horizonte. De um lado, o Hoje em Dia, jornal com quase 30 anos de circulação. De outro, a Secretária de Estado de Defesa Social (SEDS) de Minas Gerais, órgão criado para integrar as ações das polícias e gerenciar o sistema prisional. Entre acusações de falta de ética e perseguição editorial, o episódio explicita o quanto é fina a corda por onde se equilibram e dialogam fonte e repórter.
A história começou com uma pauta sobre supostos problemas na chefia da polícia civil, cuja desorganização estaria contribuindo para o sucateamento da entidade. A denúncia teria partido dos próprios profissionais de segurança, via os sindicatos dos Servidores da Polícia Civil (Sidnpol) e dos Delegados de Polícia (Sindepominas). A reportagem solicitou uma entrevista ao Secretário Bernado Santana e encaminhou, por e-mail, algumas perguntas. Não só as respostas não vieram como as perguntas e os argumentos da repórter foram divulgadas no site da SEDS, junto a uma nota de repúdio ao jornal, assinada pelo próprio secretário.
No texto, Santana se dizia ultrajado. “Desde que fui anunciado como secretário, o Hoje em Dia vem apregoando a minha saída, o que denota uma aspiração, algo estranho à apuração de cunho jornalístico, ainda mais por estar a contrapelo dos fatos”. Outro que se manifestou foi Bernardino Furtado, assessor de imprensa SEDS, ao comentar o caso para o informativo Jornalistas&Cia. Ele disse que a Secretaria apenas aproveitou os canais de comunicação que dispõe para tornar público a campanha que o jornal faz contra Santana, realizada sem elementos factuais.
O Hoje em Dia também deu a sua versão, por meio de um editorial publicado no dia 25 de julho. “Em lugar de uma resposta às perguntas que foram feitas pela nossa reportagem, fomos surpreendidos com a exposição pública da pauta, em uma clara agressão ao jornal, à repórter que apurava o assunto e ao direito constitucional que todo cidadão tem de questionar o Poder Executivo sobre aspectos que são de evidente interesse público”.
Não se pode negar à fonte, e a sua assessoria, a postura de querer preservar a imagem do órgão que representa. Nem a possibilidade de levantar suspeitas sobre uma campanha antiética promovida por um veículo. A Constituição Federal garante esse direito ao descrever os crimes contra a honra, que inclui calúnia e difamação. Porém, em se tratando de um órgão público, cujas atividades devem, também por lei, serem divulgadas de forma correta, a omissão de dados sempre será um problema.
Do outro lado, é função dos repórteres se aprofundar em assuntos de interesse da sociedade, dando voz a todos os lados possíveis. E a apuração seria a principal ferramenta para esses profissionais exercerem o seu papel social. Muita gente que escreveu sobre cidadania falou a respeito. Rui Barbosa disse, lá em 1920, durante uma conferência sobre a imprensa, que os jornalistas representam os olhos da população. Afirmou que se os jornais não servissem à clareira das estradas, conduziriam todos para a escuridão. Deixando de lado as figuras de linguagem, Barbosa explicava que,sob qualquer circunstância, o jornalista agirá pelo interesse público, principalmente quando quer revelar algo que os detentores do poder querem esconder.
Infelizmente, o ruído entre o Hoje em Dia e a SEDS se sobrepôs a informação. O rompimento da corda que ligava a fonte e o jornalista acabou virando notícia.
Por Thiago Silvério
Jornalista da Press Comunicação