Artistas, com talento e atitude, e empresas, como a Natura, com boas estratégias de comunicação, conseguem reverter cenários ruins e fazer das críticas oportunidades de crescimento
Fachada da loja da Natura na rua Oscar Freire
Jards Macalé costuma defender ideias que, em boa parte das vezes, fogem do senso comum. Tempos atrás, iniciou uma corrente em defesa do acréscimo da palavra “amor” à frase “ordem e progresso” na bandeira nacional. Nos argumentos, o respeito ao lema do positivismo, cunhado pelo pensador italiano Augusto Comte, cujos estudos de sociedade serviram de base para a construção da república do Brasil. A sua proposta mais recente, porém, não precisa ser levada ao Congresso. Na sua turnê atual, ele vem pedindo para ser vaiado pela plateia.
Foi assim em Belo Horizonte, em sua última apresentação, no início de julho, para o festival “Inverno das Artes”. Antes de tocar “Gothan City”, uma de suas parcerias com o poeta Capinam, ele conclamou os presentes a soltarem uma sonora vaia, do primeiro ao último acorde. Não se tratava de autoflagelo, mas de um regozijo de memória, como o próprio explicou. Quando foi apresentar a música no Festival Internacional da Canção, em 1969, no Rio de Janeiro, Macalé foi vaiado de forma enfurecida, pelo fato de ele e sua banda usarem guitarras elétricas, tidas como ofensa à cultura do país.
Aquela vaia, entre outras manifestações de ódio, significou muito. Foi a partir dela que Macalé se propôs a seguir sua trajetória de contracultura. O músico se tornou mais experimental. Compôs canções que, mesmo fora das paradas de sucesso, ajudaram a direcionar a nova música brasileira que emergiu na década de 70. Contribuiu para a construção da identidade artística de Caetano Veloso, Gal Costa e Gilberto Gil, só para ficar entre os baianos. Para o Caetano, por exemplo, produziu, tocou guitarra e fez os arranjos do disco Transa, de 1972, presença obrigatória em qualquer lista nacional de melhores álbuns de todos os tempos.
As vaias que Macalé ouviu foram parecidas com as que tentaram agredir, anos antes, Bob Dylan, no memorável show no festival de folk da cidade de Newport, Estados Unidos. Na ocasião, Dylan apresentava ao público que o viu nascer como compositor a sua face rock‘n’roll, com guitarras e baterias. O estranhamento se deveu pelo fato de o jovem músico de “Blowin’ In The Wind” ser símbolo das baladas de resistência, baseadas unicamente na voz e violão. “No momento em que a banda tocou os primeiros acordes de uma versão elétrica de ‘Maggie’s Farm’, a plateia entrou em estado de choque. Quando a banda terminou de tocar ‘Farm’ houve poucos aplausos, reservados, e um turbilhão de vaias”, disse o biógrafo Robert Sheldon. A história desse show foi contata recentemente pelo repórter Daniel Camargos, em matéria para o Estado de Minas.
A má recepção de Dylan teve grande relevância. Críticos apontam o episódio em Newport como divisor de águas na sua carreira e, sobretudo, no caminho que o rock tomou. Contribuiu para Dylan, com o ego ofendido, decidir abraçar o gênero musical, que ganhava, então, de forma definitiva, um de seus maiores poetas.
As posturas de Dylan e Macalé de reconhecer a vaia e tomá-la como rampa para vôos maiores têm consonância no mundo empresarial. Há casos de grandes empresas que identificaram um nicho de mercado, se fortaleceram e tornaram líderes após enfrentarem momentos difíceis, de não aceitação de seu público e de seus pares. A diferença é que enquanto os músicos contornaram a adversidade basicamente com talento e atitude, muitas dessas empresas conseguiram se superar principalmente com boa comunicação.
No Brasil, a Natura, cliente da Press há mais de 10 anos, tem uma história parecida. No ano do festival em que Macalé foi hostilizado, Luiz Seabra inaugurava uma loja de cosméticos na Rua Oscar Freire, em São Paulo. Embora de alto padrão, o endereço ainda não era a referência de luxo que seria anos depois. A empresa já começava na contramão do mercado. Na época, os cosméticos de cunho terapêutico, formulados com princípios ativos de origem natural, não eram bem recebidos. Ainda mais os que Seabra oferecia, que eram envasados em embalagens simples, meio artesanais. Enfim, seria uma empresa fadada ao fracasso.
A guitarra elétrica da Natura foi o atendimento aos clientes, que é a forma mais básica da comunicação corporativa. Seabra gastava longo tempo conversando com os que chegavam a loja. Tentava conhecer suas necessidades. Tornou-se, portanto, uma espécie de consultor, enquanto outras lojas do gênero tinham apenas balconistas.
Ele entendeu também que o público de cremes para pele e outros produtos de beleza buscava elevar a autoestima. Já nesse início a empresa encontrou o mote de sua comunicação. A Natura passou a ser a instituição que entrega produtos de qualidade, com potencial para ajudar as pessoas a se relacionarem melhor com seu próprio corpo. Aos poucos, o cenário ruidoso foi se transformando, à medida que a comunicação eficiente fazia esse discurso chegar a mais gente, a mais lugares. A empresa conseguiu, ao longo dos anos, incutir esses valores aos funcionários, que repassaram aos clientes, criando uma espécie de corrente de informações benéfica ao negócio.
Os resultados surgiram. Hoje, a marca está avaliada em U$ 3,2 bilhões, de acordo com o estudo da Brand Finance. É a marca mais valiosa da América Latina, sendo a única do segmento de cosméticos listada. As dificuldades ficaram para trás, como ecos de um show antigo no Maracanãzinho. As vaias daqueles primeiros anos só serviram para afinar os instrumentos.
Por Thiago Silvério
Jornalista da Press Comunicação