Henri Kaufmanner: Assessoria de imprensa proporciona novos conhecimentos.
A assessoria de imprensa proporciona além dos retornos mensuráveis ganhos intangíveis para os dois lados, contratante e contratado.
A assessoria de imprensa, na perspectiva da Press Comunicação e de seus profissionais, traz além da satisfação do dever cumprido, um conhecimento novo, diversificado e até aprofundado nos mais diversos temas, expandindo, e muito os nossos repertórios culturais.
No caso do contratante, normalmente organizações empresarias, o ganho se dá entre outras coisas, no descortinamento de uma área superficialmente muito conhecida, muitas vezes temida, porém pouco entendida, que é o universo midiático e a imprensa!
Neste movimento reciproco de troca, percebemos um amadurecimento dos envolvidos em muitos aspectos que uma interação humana pode proporcionar. Para exemplificar o que estou tentando dizer vou usar um os últimos trabalhos que fizemos. A assessoria de imprensa do “XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano”, promovido pela Escola Brasileira do Campo Freudiano, com o tema ” Traumas nos Corpos Violência na Cidade”.
Ufa!! Deu para perceber a complexidade da assessoria de imprensa, o tamanho do desafio ?
Pois é, mergulhamos nestas águas profundas para tentar construir sentidos que pudessem ser compartilhados, primeiro pelos jornalistas e depois para seus leitores, ouvintes , telespectadores, seguidores e afins.
E assim, destacando o que realmente importa nesta minha reflexão, quando finalizamos a assessoria de imprensa, emergimos deste mergulho vertiginoso, pois foram dias e dias de conversação, revisão de briefings, reuniões de pautas.
Voltamos com novos e preciosos conhecimentos e principalmente perspectivas diferentes sobre a realidade.
Sem querer me estender mais, vou deixar abaixo um artigo do psicanalista e um dos organizadores do evento Henri Kaufmanner, para que vocês possam mergulhar e experimentar as sensações perturbadores e instigantes que vivenciamos com esta troca.
Trauma nos corpos, violência nas cidades
Em 1932, posteriormente à Primeira Guerra Mundial, Albert Einstein escreveu a Sigmund Freud, para que este lhe ajudasse a entender quais as razões para a beligerância entre as nações, e quem sabe, a partir deste entendimento, apontar soluções.
Em resposta ao físico, Freud esclarecia que a violência é um fato da própria condição humana. Ele dizia que esta somente era suplantada pela união dos indivíduos e, a lei, como consequência, seria a representação do poder desses que se uniam. Essa lei, sustentaria então a força da comunidade resultante desta união, de tal forma que ela própria, carregaria em si a violência, pronta a se dirigir contra qualquer indivíduo que se voltasse contra essa força. A própria lei, seria assim , violenta.
As leis então, seguindo Freud, teriam sido criadas para evitar, um recrudescimento da violência por parte dos indivíduos sobrepondo-se ao poder dos que se uniam. Já as instituições seriam as responsáveis por zelar pelos interesses comuns que essas leis representavam. A manutenção desses interesses comuns levaria a vínculos emocionais entre os membros dessa comunidade, sendo esta, segundo Freud, a verdadeira fonte de sua força.
Estes interesses comuns podemos chamar de ideais, e estes ideais coletivos consistiriam na matriz simbólica dos laços entre os indivíduos.
Este é, reduzido a poucas palavras, o modelo freudiano para a civilização. A violência do homem, contida pelas leis também em si mesmas violentas, mas sustentadas pelos ideais civilizatórios.
A correspondência entre Freud e Einstein ficou conhecida com o título de “Por que a Guerra”, e a eclosão da Segunda Guerra Mundial, permite bem perceber o insucesso de Einstein em seus esforços.
Nesses últimos dias comemorou-se os 25 anos da queda do Muro de Berlim, e, o mundo dos sonhos que parecia se anunciar com o aparente fim da divisão representada por aquele muro não se concretizou. O mundo continua dividido, violento, mas, e isto nos interessa muito, a violência de nossos dias se mostra diferente daquela que tanto afligia a Einstein.
Hoje em dia, não há como contestar que a violência é uma presença insistente em nossa vida cotidiana. É inevitável deparar-se com ela, seja por experiência direta, seja pelos relato de alguém que nos é próximo, seja por sua onipresença nas mídias mais diversas. Tal realidade, contudo, seria o bastante para nos permitir afirmar que vivemos em um mundo mais violento?
Seria o Brasil hoje em dia mais violento do que aquele dos nossos colonizadores que exterminaram boa parte da população indígena que aqui habitava? Ou ainda, seriamos hoje mais violentos que no tempo em que a escravidão era a ordem da sociedade , mantida sobre o peso da chibata?
A resposta de Freud a Einstein e o modelo civilizatório que nela se delineia permite-nos refletir sobre as particularidades da violência em nossos dias, não pela escala de intensidade, mas pela forma diferenciada em que esta se apresenta. A grande diferença deste mundo violento para o de outrora, e em nosso país isto de mostra de maneira bem evidente, é a percepção de que a violência deixou de ser um assunto de nações, um privilegio do estado, para se tornar uma prática privada. Não são mais os ideais coletivos que estão em cena.
Não há como não perceber que a violência hoje em dia não somente é disseminada, com também não encontra nas leis, e nas praticas de contenção, qualquer regulação. Ela se apresenta em cenas corriqueiras como num desentendimento no transito, um desencontro em um bar, nas escolas, nos espaços da vida privada, e de forma mais brutal no latrocínio, nas gangues, milícias, no tráfico de drogas, e por que não, nas chamadas torcidas organizadas dos times de futebol.
É em torno dessa nova realidade da violência, que os psicanalistas da Escola Brasileira de Psicanálise se reúnem em Belo Horizonte para o seu XX Encontro Brasileiro do Campo Freudiano. Com o tema “Trauma nos corpos, violência nas cidades” interessa-nos discutir, em que a invenção Freudiana a partir dos avanços do ensino de Lacan, nos permite pensar enquanto psicanalistas, caminhos para essa difícil realidade que afeta a todos nós.
Os psicanalistas há muito não se restringem a seus consultórios. Eles hoje estão presentes nos serviços de saúde mental da rede pública, nos hospitais, nas instituições da defesa social, escolas, presídios, nas ruas. Tal presença se faz a partir da reponsabilidade ética com nossa prática e nossa experiência, que acreditamos, pode em muito contribuir no enfrentamento de problemas que afetam a sociedade.
Para a psicanalise, a forma contemporânea da violência, esta intimamente ligada ao tratamento que se da aos corpos em nosso tempo, mais especificamente, o tratamento que se dá ao que chamamos o corpo traumatizado.
O corpo para a psicanalise não é uma amontoado biológico e portanto unicamente natural, regido por hormônios e neurotransmissores. O corpo é afetado, traumatizado pela palavra, e consequentemente, desnaturalizado. Diferente do filhote animal, que ao nascer, conduzido por seu instinto, já se dirige ao úbere materno, ao filhote humano resta o choro e seus gritos como único recurso ao mal estar de sua precária existência, e é na expressão deste mal estar que se apoia o apelo a sua própria sobrevivência. De tal forma dependente do outro, o filhote humano tem seu corpo marcado pelas falas e cuidados deste que lhe acolhe, e nesse caminho criado na relação com o outro, seu corpo vai, pelo resto de sua vida buscar, de forma incessante e imperativa, uma satisfação, um alívio a seu mal estar estrutural, aquilo que a partir de Lacan chamamos de gozo.
Sobre esta satisfação, essa busca que se eterniza em sua existência, o ser humano não tem o menor controle. Foi o encontro com esse Outro em cada um de nós que permitiu a Freud a invenção da Psicanálise.
O ser humano, que da fala extrai sua condição de humano, tem assim com seu corpo uma relação de exterioridade, e por isso não o somos, nós o temos. Tal singularidade humana, tem como efeito uma relação de estranhamento com o próprio corpo, que passa a ser, afetado que é pelas falas que recebe desde seus primórdios, um corpo que busca sempre se satisfazer. Essa exterioridade com a natureza é emblematicamente denunciada pelas diversas formas que o mal estar se apresenta contemporaneamente, como por exemplo, em nossos problemas com a ecologia. Assim como destrói a natureza, o homem atua sobre os corpos, mais além de sua natureza, sempre na busca imperativa de satisfação. Daí a afirmação tão aceita, que o ser humano é o único animal que mata por prazer!
Esse é o trauma fundante do humano, e que nos coloca por condição, tensionados pelas demandas deste corpo, que não se sacia jamais. Há em cada um de nós um Outro, que Freud chamou de inconsciente, mas que bem diferente do que pode parecer inicialmente, não se trata de uma memória, mas de um corpo traumatizado, sexualizado, e que busca incessantemente uma satisfação que, como vindo de um Outro em nós mesmos, não deixa de provocar estranhamento, conflitos e mal estar.
Se anteriormente, a demanda insaciável dos corpos podia ser temperada pelas leis, em função dos ideais coletivos que as sustentavam, o que vemos proliferar hoje em dia é aquilo que alguns escolheram nomear como individualismo de massa. Hoje a satisfação de cada um, distinto do que Freud então anunciava, não se contém pela lei ou pelos vínculos. O mal estar de nosso tempo não se trata mais pela civilização, pelo menos não como anteriormente.
O avanço do mundo do consumo, com todos os seus recursos tecnológicos, e a redução de todos a igualdade aparentemente democrática do consumidor, esforça-se em reduzir cada sujeito ao que ele pode em seu direito consumir. O mundo da técnica e os objetos que produz, oferecem a cada um a sua droga lícita ou ilícita, sua cirurgia, seu telefone, seu computador, uma infinidade de produtos apoiados no direito ao consumo e na ilusão do gozo acessível desde que comprado, e comprar é um direito que nos faz iguais. Cada um busca sua própria satisfação, sua vitória sobre o mal estar do corpo traumatizado, pela ilusão do consumo do produto, gadget contemporâneo, cada vez mais talhado para servir a cada um. O mundo se vê habitado em massa por indivíduos que buscam naquilo que o consumo lhes oferece, sua satisfação, seu gozo.
Constrói-se assim um mundo onde de cada um se faz um walking dead, cuja busca de satisfação, não encontra limites na dor, nas formas de violência, e atua diretamente sobre os corpos, seja o próprio seja o do outro.
O toxicômano é a expressão máxima dessa lógica, e não há portanto que se assustar com a sua prevalência nos dias de hoje. Ele simplesmente traz exposto em seu corpo, o modo contemporâneo que a sociedade do consumo nos oferece para viver.
Provocados pela perplexidade diante dessa realidade, vimos surgir novas formas de segregação como se, nos livrando da diferença do outro, pudéssemos por magia nos livrar da diferença que insiste em nós mesmo e que não cessa em nos cobrar a sua cota. Aparecem assim as agressões, as praticas violentas, as propostas de redução de maioridade penal, as internações compulsórias, as diversas formas de racismo ou os sonhos da volta de uma ditadura, como se um reforço das leis e da contenção pudessem domar a dispersão de nosso tempo. As propostas violentas, na medida que não se apoiam mais em ideais coletivizados, produzem apenas respostas violentas. Assistimos a isso todos os dias.
A psicanálise se oferece nesse momento como um parceiro que tem a partir de seu campo de saber uma experiência e uma prática que nos permitem sustentar a aposta em um caminho diferente.
É possível inventar variáveis para uma relação menos devastadora com estes corpos traumatizados. É preciso criar espaço para as diferenças de cada um, a partir do sintoma de cada um, sem que para isso sejam necessárias intervenções sedativas ou segregadoras. Somos convictos de que um novo laço, um novo vínculo emocional pode ser construído entre os indivíduos desde que haja lugar para o singular de cada um, que cada um suportando sua própria diferença horrorize-se menos com a diferença do outro, e possa assim suportar esta diferença sem o imperativo de fazer do outro um igual.
Num mundo sem grandes ideias ou ideais, a diversidade sustentada na absoluta diferença de cada um, pode abrir espaço para um novo amor, bem mais civilizatório. Um amor da diferença.